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quarta-feira, 24 de setembro de 2014

Associação entre Sono e Dor Orofacial

Um tema muito prevalente na literatura atual refere-se a associação entre sono e dor. Muito se tem falado, mas muitas dúvidas ainda permanecem. Por exemplo, a relação de causalidade é bidirecional? E quais os mecanismos envolvidos entre estes dois fenômenos? É de suma importância que o profissional envolvido no tratamento da Dor Orofacial compreenda o impacto do sono sobre a dor e vice-versa.
A relevância desta interação fica evidente quando deparamos com índices que revelam que dor crônica afeta aproximadamente um quinto da população adulta e que, aproximadamente dois terços dos pacientes com dor crônica relatam sono ruim e fadiga como queixa secundária. As queixas subjetivas do sono mais frequentes em pacientes com dor crônica são insônia (dificuldade de iniciar o sono ou permanecer adormecido ou acordar muito cedo), sono não reparador e sonolência diurna excessiva ou fadiga. Já as anormalidades do sono mais comuns nos pacientes com dor crônica avaliadas por exames objetivos e quantitativos (Polissonografia/Actigrafia) incluem fragmentação do sono, eficiência de sono diminuída e redução de ondas lentas do sono, sendo algumas destas anormalidades específicas para certas condições de dor. Um relativo número de pacientes com dor crônica apresenta distúrbios do sono como Insônia, Síndrome da Apneia Obstrutiva do Sono (SAOS), Síndrome das Pernas Inquietas ou Movimento Periódicos de Pernas.
Os distúrbios do sono são comorbidades muito comuns também em pacientes com Dor Orofacial. A insônia foi o distúrbio do sono mais comumente diagnosticado (36%) em estudo polissonográfico de 53 pacientes com Disfunção Temporomandibular (DTM) do tipo Dor Miofascial; 28% dos indivíduos foram diagnosticados com SAOS e 17% com Bruxismo do sono. Ainda, 6% dos participantes apresentaram Insônia devido a DTM. A associação entre SAOS e DTM também é significativa na literatura. Em estudo de coorte prospectivo, com adultos livres do DTM inicialmente, sinais e sintomas de SAOS foram associados com o aumento da incidência da primeira ocorrência de DTM. Homens e mulheres com dois ou mais sinais/sintomas da SAOS tiveram 73% maior incidência de DTM. Um estudo caso-controle revelou que 4% dos participantes tinham risco para os sintomas da SAOS, e estes tiveram 3,6 vezes mais chances para ter ou desenvolver concomitante DTM crônica.
Os resultados dos estudos sobre a relação de causalidade, ressaltam a complexidade do relacionamento dor-sono, que varia de acordo com as características da amostra (aguda/ crônica; adultos/ adolescentes), a presença ou tipos de dor (DTM, artrites, cefaleias e outras), e o método de avaliação (subjetivo/objetivo). Entretanto, vários estudos que empregaram medidas objetivas e subjetivas de dor e sono fundamentaram a noção de que deficiência do sono é um preditor mais significativo de dor do que o contrário. Apenas dois estudos relataram bidirecionalidade equivalente; entretanto foram limitados pela sua dependência de instrumentos básicos de auto-relato para avaliação do sono e dor. Estudos longitudinais demonstraram que os sintomas de insônia aumentaram o risco de desenvolver distúrbios de dor crônica em indivíduos saudáveis. Ao contrário, dor pré existente não foi um preditor significativo de incidência de insônia.
Com relação especificamente as associações do Sono com as Dores Orofaciais notou-se que a condição mais abordada é DTM, e constatou-se que a insônia e distúrbios respiratórios são comorbidades comuns.
Quanto aos mecanismos envolvidos, sabe-se que as consequências da privação de sono estão sob controle dos sistemas de neurotransmissores dopamina, noradrenalina e serotonina. Principalmente as disfunções de neurotransmissão dopaminérgica tônica versus fásica aumentam a vulnerabilidade para desenvolver e/ou manter as comorbidades sono e dor crônica . Ainda, estudos indicam que catecol-o-metiltransferase (COMT) é um gene modulador da dor e diferenças alélicas foram relatadas em fibromialgia, osteoartrite, enxaqueca e cefaléia do tipo tensional, de tal forma que o genótipo de baixo metabolismo dopaminérgico tende a ser mais frequente nos casos do que nos controles. O aumento dos índices pró-inflamatórios através da ativação de respostas semelhantes à lesão aguda quando da privação do sono também está comprovado. Ainda, Substancias Regulatórias do Sono, (SRS) citocinas, incluindo interleucina 1 (IL-1), fator de necrose tumoral (TNF) e outras substancias que participam da regulação do sono (NREM) por sua vez agem sobre os neurônios para alterar suas propriedades intrínsecas de membrana e sensibilidades de neurotransmissores e neuromoduladores.
Sem dúvida, estes resultados têm potenciais implicações clínicas para avaliação e gestão da dor em pacientes que apresentam as comorbidades Dor Orofacial e Distúrbios do Sono. Neste sentido, o tratamento da Dor Orofacial deverá abranger padrões de sono. A inclusão de intervenções orientadas especialmente para os sintomas de insônia (distúrbio mais prevalente na dor crônica) poderá resultar em decréscimos aditivos, além das abordagens tradicionais de gerenciamento de dor. Abordagens simples com foco na educação do paciente, na higiene do sono e medicamentos para melhorar o sono e reduzir a dor serão muito benéficos. Quando, durante a anamnese inicial, um paciente com Dor Orofacial apresentar características de Insônia Crônica ou SAOS, é preciso encaminhá-lo para o especialista em Medicina do Sono. Melhorar a continuidade do sono pode melhorar a eficácia de tratamentos para DTM e outros distúrbios de dor e, eventualmente, ter benefícios preventivos.

Fonte:
Cláudia Aparecida de Oliveira Machado
Aluna do Curso de Especialização Dor Orofacial e DTM - IEO Bauru

quarta-feira, 17 de setembro de 2014

O Impacto Psicológico da Cirurgia Ortognática

Para além do planejamento cirúrgico levando em consideração as expectativas do paciente, há de se levar em consideração o impacto que a cirurgia, uma vez realizada, provocará na psique do operado.  Neste momento, cabe ressaltar a importância psicossocial da face humana. A transformação que se inicia na aparência se mostra afinal, muito mais profunda.





Inicio essa análise contando um fato ocorrido em 2005, ocasião em que trabalhava em um importante hospital de trauma. Um paciente de 45 anos portador de prognatismo por deficiência ântero-posterior da maxila (maxilar superior para trás) foi vítima de um acidente de tráfego e teve a infelicidade de sofrer uma fratura maxilar do tipo Le Fort I (semelhante ao que é feito na cirurgia ortognática). O colega que o atendeu verificou que, embora o paciente nunca tivesse usado aparelho ortodôntico, a oclusão era mais estável quando a maxila era posicionada em posição considerada fisiológica, ou seja em Classe I, em detrimento do posicionamento original do paciente. O cirurgião entendeu que o paciente tinha ali, naquela situação desfavorável, uma oportunidade de corrigir seu problema de deformidade dento-facial, e assim o fez, na melhor das intenções. Ocorre que o paciente, após acordar e verificar seu novo perfil facial (visivelmente mais harmônico), ficou extremamente insatisfeito. Não conseguia aceitar as novas feições, e por diversas vezes ameaçou de processo o colega cirurgião.


O fato verídico acima relatado, nos leva a uma análise sobre a subjetividade deste processo. A auto-percepção da aparência é extremamente individualizada, e sofre diversas influências que devem peremptoriamente ser levadas em consideração no momento do diagnóstico e plano de tratamento nos casos de cirurgia ortognática. Por isso, a primeira consulta é o momento de escutar atenta e respeitosamente o que o paciente tem a dizer, para só então prosseguir na propedêutica essencialmente técnica. Em suma, não se logra êxito em conseguir um resultado tecnicamente impecável, se este não tem correlação com a expectativa do paciente.


Para além do planejamento cirúrgico levando em consideração as expectativas do paciente, há de se levar em consideração o impacto que a cirurgia, uma vez realizada, provocará na psique do operado. Cirurgias simultâneas de maxila, mandíbula e mento, sobretudo se utilizadas para corrigir grandes discrepâncias oclusais, sorriso gengivoso exuberante ou malformações genéticas costumam literalmente transformar aqueles que se submetem ao procedimento. Neste momento, cabe ressaltar a importância psicossocial da face humana. "O rosto humano é o palco da nossa identidade e é a parte que mais mostramos aos outros durante toda a vida" (Freitas – Magalhães 2007). Alguns estudos têm evidenciado que as pessoas com características físicas atraentes tendem a provocar expectativas ou impressões positivas nos outros com a obtenção de vantagens interpessoais. E quando uma pessoa não corresponde aos padrões sociais de beleza física, tende a induzir impressões negativas nos outros, sendo-lhe exigido melhores resultados e responsabilidades sociais (Belluci & Kapp-Simon, 2007; Lazaridou-Terzoudi, Kiyak, Athanasiou, & Melsen, 2003; Phillips, Bennett, & Broder, 1998). Essa situação é suscetível de provocar um sofrimento psicológico significativo na pessoa, afetando a sua qualidade de vida. Para lidar com o problema dentofacial, ela pode recorrer a estratégias de ocultamento (e.g. cobrir a boca com a mão quando fala, evitar o sorriso, mover os lábios de forma artificial, não gostar de tirar fotografias), ou, em casos extremos, pode manifestar comportamentos de fobia social traduzidos em sentimentos de medo e de insegurança emocional no relacionamento interpessoal.


Alterações Psicológicas Comuns na Fase Pré- Cirúrgica


A preocupação com a estética facial tem sido o principal motivo apontado pelos pacientes para justificarem o tratamento orto-cirúrgico (Belluci & Kapp-Simon, 2007; Hunt et al., 2001; Jacobson, 1984; Johnston et al., 2010; Pogrel & P. Scott, 1994; Sadek & Salem, 2007; Stirling et al., 2007; Vulink et al., 2008). De fato, a aparência facial constitui "uma motivação muito importante para que o paciente procure o tratamento ortocirúrgico, pois a beleza, em nossa sociedade, é muito valorizada e é um fator determinante no próprio relacionamento com as pessoas" (Ribas, Reis, França, & Lima, 2005, p. 76).


Por outro lado, o fato de a estética facial se constituir como o principal motivo do tratamento estará relacionado com as necessidades afetivas do paciente (e.g. de ser capaz de auto-apreciar, de querer ser valorizado(a) pelos outros, de sentir-se confortável no contato social). Estas parecem influenciar, de modo direto, a tomada de decisão independentemente do nível de conhecimento que o paciente tenha sobre o tratamento (Stirling et al., 2007). Assim, entendemos que o desejo de melhorar a aparência é acompanhado por expectativas de benefícios psicológicos em termos de melhoria da qualidade de vida, mas é preciso reconhecer que, embora as expectativas positivas sejam uma componente importante na motivação do paciente, não preparam para lidar com as circunstâncias imediatas do pós-operatório. A demasiada valorização dos benefícios, em detrimento do conhecimento das implicações reais do processo de tratamento, pode provocar ilusões e consequente insatisfação. A intervenção ortodôntica pode acentuar os estados emocionais negativos do paciente em consequência das mudanças na sua aparência facial e dentária. Relativamente ao grau de disfunção esquelética, a literatura aponta que os candidatos com Classe II de Angle (retrognatas) tendem a exibir mais a Perturbação Dismórfica Corporal (Vulink et al., 2008), são os menos felizes com a sua aparência (Johnston et al., 2010), tendem a mostrar reduzida auto-estima, sintomas depressivos, ansiedade e hostilidade (Burden et al, 2010), enquanto os candidatos com Classe III de Angle (prognatas) relatam mais preocupações, insegurança e consciência acerca do seu perfil facial (Johnston et al., 2010). Neste mister, parece-nos que aqueles que têm a deformidade com Classe III estão mais preparados para a mudança facial do que aqueles que têm a Classe II, já que aceitam melhor a ideia da transformação facial e são menos exigentes quanto ao resultado cirúrgico. 


As expectativas irrealistas, a realização prévia de cirurgia cosmética, a insegurança na tomada de decisão, o pobre apoio social (ou a pressão da família), o uso de substâncias psicotrópicas e a ausência de problema clínico justificativo da cirurgia são outras razões para maior preocupação por parte da equipe, e nestes casos não se deve prescindir da assitência do profissional de psicologia.



Alterações Psicológicas a Curto/ Médio Prazo



O período pós-operatório imediato corresponde à fase mais exigente do processo de tratamento. O sofrimento psíquico que a pessoa tem vindo a suportar ao longo da sua vida culmina no período pós-operatório a curto-prazo, pelo que a falta de preparação psicológica para lidar com os efeitos da cirurgia pode atrasar a recuperação pós-cirúrgica e, com efeito, diminuir o sucesso do tratamento, traduzido, em parte, na insatisfação/ desmotivação do paciente.


Os sintomas mais significativos desta fase abrangem a fraqueza física, as insônias, os problemas de dieta alimentar, a parestesia, o inchaço facial, a perda ou ganho de peso, a dificuldade de comunicação oral e o isolamento resultante da restrição de atividades socioprofissionais. A deterioração da qualidade de vida originada pelas limitações funcionais acontece, sobretudo, nas primeiras seis semanas a três meses. Esta será tanto mais grave quanto menos realistas forem as expectativas sobre a sintomatologia do pós-operatório imediato. Isso quer dizer que a recuperação será fortemente determinada pelo nível de conhecimento que se tem do processo de recuperação e como são antecipadas as consequências emocionais. C. Phillips e colaboradores (1998) observaram que os pacientes que inicialmente "sobreestimaram" o desconforto e a dor na fase pós-cirúrgica acabaram por admitir menos problemas em lidar com os sintomas (69%), em contraste com aqueles que tinham "subestimado" os custos emocionais da cirurgia (31%). Porquanto, a antecipação (ou as expectativas) dos efeitos da cirurgia influencia a intensidade dos sintomas que são experienciados durante a recuperação.


Alterações Psicológicas a Médio/ Longo Prazo





Depois da cirurgia, os resultados funcionais e estéticos são observados rapidamente e a pessoa encontra segurança emocional para fazer as transformações fundamentais na sua vida. Depreendemos, através da leitura de alguns artigos, que a reparação da aparência facial interfere com a saúde em geral, mas a saúde mental tende a sofrer mais alterações positivas do que a saúde física.


As mudanças no bem-estar, na qualidade de vida e nas características de personalidade dos pacientes afiguram-se estáveis a longo-prazo, especialmente, dois anos a cinco após a cirurgia. A partir desse período parecem não ocorrer melhorias significativas talvez porque o processo de adaptação à sua transformação ocluso-psicofacial chega ao fim. A pessoa aceitou a nova aparência facial e incorporou as consequências psicossociais na sua personalidade e estilo de vida (Cunningham et al., 2001).


Pogrel e P. Scott (1994) advogam que a intervenção orto-cirúrgica, além de permitir melhorias na saúde física, também constitui um "tratamento" para as perturbações psicológicas


Casos de Insatisfação





Muitos cirurgiões ortognáticos e ortodontistas já tiveram a experiência de lidar com casos de insatisfação ou de desordens psicopatológicas do paciente, ainda que a sua taxa de incidência varie entre os 5% e os 24,7% (C. Phillips et al., 1998; Pogrel & P. Scott, 1994). Os autores alegam que, nestas circunstâncias, as principais razões estão ligadas às histórias pessoais e necessidades socioafetivas do paciente e não propriamente à aparência facial (por exemplo, submeter-se à cirurgia para salvar ou melhorar uma relação íntima). Outros fatores como o pessimismo, a ansiedade, as expectativas irrealistas, o pobre apoio social podem prejudicar, de igual modo, o sucesso do tratamento (Belluci & Kapp-Simon, 2007; A. Scott et al., 2000). Esses dados apontam-nos para a necessidade de gerenciar as emoções do paciente durante o processo de tratamento, pois o eventual insucesso não se deverá exclusivamente às características psicológicas do paciente, mas sobretudo à deficiente relação de proximidade entre os intervenientes no processo.
 
Fonte dos dados citados neste texto: 
CARVALHO, Sónia Cortinhas; MARTINS, Eugénio Joaquim; BARBOSA, Maria Raquel. Variáveis psicossociais associadas à cirurgia ortognática: uma revisão sistemática da literatura. Psicol. Reflex. Crit., Porto Alegre , v. 25, n. 3, 2012 .
 
http://drfabiocalandrini.blogspot.com.br/2014/09/o-impacto-psicologico-da-cirurgia.html?m=1