Um
tema muito prevalente na literatura atual refere-se a associação entre
sono e dor. Muito se tem falado, mas muitas dúvidas ainda permanecem.
Por exemplo, a relação de causalidade é bidirecional? E quais os
mecanismos envolvidos entre estes dois fenômenos? É de suma importância
que o profissional envolvido no tratamento da Dor Orofacial compreenda o
impacto do sono sobre a dor e vice-versa.
A
relevância desta interação fica evidente quando deparamos com índices
que revelam que dor crônica afeta aproximadamente um quinto da população
adulta e que, aproximadamente dois terços dos pacientes com dor crônica
relatam sono ruim e fadiga como queixa secundária. As queixas
subjetivas do sono mais frequentes em pacientes com dor crônica são
insônia (dificuldade de iniciar o sono ou permanecer adormecido ou
acordar muito cedo), sono não reparador e sonolência diurna excessiva ou
fadiga. Já as anormalidades do sono mais comuns nos pacientes com dor
crônica avaliadas por exames objetivos e quantitativos
(Polissonografia/Actigrafia) incluem fragmentação do sono, eficiência de
sono diminuída e redução de ondas lentas do sono, sendo algumas destas
anormalidades específicas para certas condições de dor. Um relativo
número de pacientes com dor crônica apresenta distúrbios do sono como
Insônia, Síndrome da Apneia Obstrutiva do Sono (SAOS), Síndrome das
Pernas Inquietas ou Movimento Periódicos de Pernas.
Os
distúrbios do sono são comorbidades muito comuns também em pacientes
com Dor Orofacial. A insônia foi o distúrbio do sono mais comumente
diagnosticado (36%) em estudo polissonográfico de 53 pacientes com
Disfunção Temporomandibular (DTM) do tipo Dor Miofascial; 28% dos
indivíduos foram diagnosticados com SAOS e 17% com Bruxismo do sono.
Ainda, 6% dos participantes apresentaram Insônia devido a DTM. A
associação entre SAOS e DTM também é significativa na literatura. Em
estudo de coorte prospectivo, com adultos livres do DTM inicialmente,
sinais e sintomas de SAOS foram associados com o aumento da incidência
da primeira ocorrência de DTM. Homens e mulheres com dois ou mais
sinais/sintomas da SAOS tiveram 73% maior incidência de DTM. Um estudo
caso-controle revelou que 4% dos participantes tinham risco para os
sintomas da SAOS, e estes tiveram 3,6 vezes mais chances para ter ou
desenvolver concomitante DTM crônica.
Os
resultados dos estudos sobre a relação de causalidade, ressaltam a
complexidade do relacionamento dor-sono, que varia de acordo com as
características da amostra (aguda/ crônica; adultos/ adolescentes), a
presença ou tipos de dor (DTM, artrites, cefaleias e outras), e o método
de avaliação (subjetivo/objetivo). Entretanto, vários estudos que
empregaram medidas objetivas e subjetivas de dor e sono fundamentaram a
noção de que deficiência do sono é um preditor mais significativo de dor
do que o contrário. Apenas dois estudos relataram bidirecionalidade
equivalente; entretanto foram limitados pela sua dependência de
instrumentos básicos de auto-relato para avaliação do sono e dor.
Estudos longitudinais demonstraram que os sintomas de insônia aumentaram
o risco de desenvolver distúrbios de dor crônica em indivíduos
saudáveis. Ao contrário, dor pré existente não foi um preditor
significativo de incidência de insônia.
Com
relação especificamente as associações do Sono com as Dores Orofaciais
notou-se que a condição mais abordada é DTM, e constatou-se que a
insônia e distúrbios respiratórios são comorbidades comuns.
Quanto
aos mecanismos envolvidos, sabe-se que as consequências da privação de
sono estão sob controle dos sistemas de neurotransmissores dopamina,
noradrenalina e serotonina. Principalmente as disfunções de
neurotransmissão dopaminérgica tônica versus fásica aumentam a
vulnerabilidade para desenvolver e/ou manter as comorbidades sono e dor
crônica . Ainda, estudos indicam que catecol-o-metiltransferase (COMT) é
um gene modulador da dor e diferenças alélicas foram relatadas em
fibromialgia, osteoartrite, enxaqueca e cefaléia do tipo tensional, de
tal forma que o genótipo de baixo metabolismo dopaminérgico tende a ser
mais frequente nos casos do que nos controles. O aumento dos índices
pró-inflamatórios através da ativação de respostas semelhantes à lesão
aguda quando da privação do sono também está comprovado. Ainda,
Substancias Regulatórias do Sono, (SRS) citocinas, incluindo
interleucina 1 (IL-1), fator de necrose tumoral (TNF) e outras
substancias que participam da regulação do sono (NREM) por sua vez agem
sobre os neurônios para alterar suas propriedades intrínsecas de
membrana e sensibilidades de neurotransmissores e neuromoduladores.
Sem
dúvida, estes resultados têm potenciais implicações clínicas para
avaliação e gestão da dor em pacientes que apresentam as comorbidades
Dor Orofacial e Distúrbios do Sono. Neste sentido, o tratamento da Dor
Orofacial deverá abranger padrões de sono. A inclusão de intervenções
orientadas especialmente para os sintomas de insônia (distúrbio mais
prevalente na dor crônica) poderá resultar em decréscimos aditivos, além
das abordagens tradicionais de gerenciamento de dor. Abordagens simples
com foco na educação do paciente, na higiene do sono e medicamentos
para melhorar o sono e reduzir a dor serão muito benéficos. Quando,
durante a anamnese inicial, um paciente com Dor Orofacial apresentar
características de Insônia Crônica ou SAOS, é preciso encaminhá-lo para o
especialista em Medicina do Sono. Melhorar a continuidade do sono pode
melhorar a eficácia de tratamentos para DTM e outros distúrbios de dor
e, eventualmente, ter benefícios preventivos.
Fonte:
Cláudia Aparecida de Oliveira Machado
Aluna do Curso de Especialização Dor Orofacial e DTM - IEO Bauru
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